Distribuição de Maxwell-Boltzmann

A distribuição de velocidades v das moléculas em um material qualquer segue a distribuição de Maxwell-Boltzmann desde que a temperatura seja alta o suficiente para garantir que o número de estados acessíveis seja muito maior do que o número de partículas de modo que efeitos quânticos sobre o movimento do centro de massa das moléculas ou átomos que compõe o cristal possam ser desprezados. Essa distribuição é dada pela equação abaixo onde M é a massa molar, R a constante dos gases ideais e T a temperatura absoluta.

O fator v² na distribuição faz com que a probabilidade de velocidades muito baixas tenda a zero e o decaímento dado pelo termo exponencial garante que a probabilidade de velocidades muito altas também tenda a zero. Na figura abaixo são mostradas distribuições calculadas para o argônio em várias temperaturas.

Distribuição de Maxwell-Boltzmann para o argônio em diferentes temperaturas

Com o aumento da temperatura, o decaímento devido ao termo exponencial se torna mais lento e o máximo da distribuição é deslocado para velocidades mais altas ao mesmo tempo que se torna mais alargada. De modo análogo, a redução da massa molar leva a um alargamento da distribuição e deslocamento do máximo para valores mais altos de velocidade. Dado o perfil assimétrico da distribuição, com um decaimento mais lento para velocidades altas do que para velocidades baixas, o valor médio da velocidade, <c>, é maior do que o valor mais provável, c*, que corresponde ao máximo da distribuição, sendo as mesmas dadas pelas equações abaixo:

A dedução da equação de Maxwell-Boltzmann pode ser encontrada em livros-texto de termodinâmica ou de físico-química.1,2 Nessa página iremos demonstrar, por meio de simulações de dinâmica molecular, como um gás, um líquido e um sólido evoluem espontaneamente de distribuições de velocidade arbitrárias para a distribuição de Maxwell-Boltzmann. Todas as simulações apresentadas aqui foram feitas no ensemble NVE, ou seja, sem acoplamento de temperatura nem pressão a fim de permitir que as velocidades se alterem apenas como consequências das interações intermoleculares. Detalhes da metodologia empregada serão dados ao final da página.

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1) Gás partindo de metade das partículas em repouso e metade com velocidade apenas em uma direção

Para essa demonstração, partindo de uma estrutura pré-equilibrado de argonio em fase gasosa, para as moléculas na metade à direita da caixa de simulação foram atribuídas velocidades iniciais iguais a zero enquanto para as moléculas na metade à esquerda foram atruibuídas a velocidade de 500 m/s com metade delas se movendo na direção positiva do eixo dos x e metade na direção negativa, com componentes de velocidade nas direções y e z iguais a zero. O vídeo abaixo mostra a evolução do sistema, com moléculas com altas velocidades mostradas em vermelho, moléculas com baixa velocidade em azul e velocidades intermediárias em branco. As colisões entre as moléculas levam a transferências de momento e geram velocidades resultantes também nas direções y e z. Com o passar do tempo, o gás evolui para uma distribuição tal qual há muitas moléculas com velocidades intermediárias (em branco), uma quantidade menor com altas velocidades (em vermelho) e menos ainda com velocidades muito baixas (em azul). Além disso, note que não há regiões “quentes” ou “frias” no gás após o equilíbrio, com moléculas lentas e rápidas distribuídas igualmente em todas as regiões da caixa de simulação.

Relaxação conduzindo a distribuição de Maxwell-Boltzmann no gás argônio partindo de uma amostra com metade das moléculas com alta velocidade e metade com velocidade zero. As partículas em vermelho apresentam as maiores velocidades, as em azul as menores e as em branco velocidades intermediárias

A imagem abaixo mostra a evolução da distribuição de velocidades ao longo do tempo partindo da distribuição em t=0 com apenas dois valores possíveis para a velocidade para a distrbuição de Maxwell-Boltzmann (curva preta tracejada) correspondente a velocidade atingida de 240 K após o equilíbrio entre 240 e 360 ps. Visto que não foi usado um termostato, essas simulações não permitem antecipar ou escolher a temperatura final, sendo a mesma medida a posteriori.

Evolução da distribuição de velocidades no argônio gasoso partindo de metade das partículas com velocidade de 0 e metade com velocidade de 500 m/s

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2) Líquido partindo de todas as partículas com a mesma velocidade

Na demonstração para o líquido, partindo de uma estrutura pré-equilibrada de argônio líquido, foram atribuídas a todas as partículas a mesma velocidade inicial de 200 m/s porém em direções aleatórias. Utilizando a mesma escala de cores do caso anterior, nota-se que o líquido evolui rapidamente para uma distribuição condizente com a distribuição de Maxwell-Boltzmann, com partículas com velocidades menores (em azul) e com velocidades acima da média (em vermelho), havendo relativamente mais moléculas com altas velocidades que com velocidades baixas. Note que essa equilibração é muito rápida, sendo necessário tanto o uso de um passo de integração pequeno como salvar as estruturas da dinâmica molecular com uma grande frequência para observar o processo de relaxação das velocidades no líquido. De fato, esse processo é mais rápido que a própria difusão das moléculas, sendo determinada por trocas de energia pela interação com as vizinhas e não depende de que as moléculas difundam ao longo do líquido para ocorrer.

Relaxação conduzindo a distribuição de Maxwell-Boltzmann no argônio líquido partindo de uma amostra com todas as partículas com a mesma velocidade inicial porém em direções aleatórias. As partículas em vermelho apresentam as maiores velocidades, as em azul as menores e as em branco velocidades intermediárias

A figura abaixo mostra a evolução da distribuição inicial com todas as partículas tendo a mesma velocidade para a distribuição de Maxwell-Boltzmann em apenas meio picossegundo. O fato das moléculas no líquido estarem em contato constante tornam as trocas de energia muito mais rápidas que no gás, onde as partículas percorrem distâncias relativamente longas até colidirem para trocar energia.

Evolução da distribuição de velocidades das partículas no argônio líquido partindo de todas as moléculas com velocidade de 200 m/s.

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3) Sólido partindo de duas temperaturas distintas

Nesse caso, partindo de uma estrutura de ouro previamente equilibrada, um terço do sólido foi equilibrado a 573 K enquanto o restante da estrutura foi congelada e as velocidades zeradas. Desse modo, uma região apresenta uma distribuição de velocidades condizente com a temperatura de 573 K enquanto o restante do sólido está a 0 K. Nesse caso, apesar de terem sido utilizadas condições periódicas de contorno, as dimensões da caixa foram ampliadas de modo a garantir que não haja interações entre faces opostas do sólido em nenhuma direção, assim, a estrutura simulada corresponde a um nanoparalelepípedo de ouro ao invés de um cristal macroscópico. Também vale ressaltar que utilizamos um potencial de Lennard-Jones para a estrutura do sólido, o que não é realista para reproduzir a condutividade A transferência de calor ocorre então da região mais quente para a mais fria via transferência de momento linear entre os átomos, como observa-se pela mudança de cor das moléculas na região de contato para branco que corresponde a velocidades intermediárias. Após o equilíbrio, não se observa mais regiões quentes ou frias no sólido.

Relaxação conduzindo a distribuição de Maxwell-Boltzmann em um bastão de ouro partindo de uma estrutura com 1/3 do sólido relaxado a 573,15 K e o restante com as velocidades zeradas. As partículas em vermelho possuem maior velocidade, em branco velocidades intermediárias e azuis velocidades baixas.

A imagem abaixo mostra a evolução da distribuição de velocidades no sólido. Nesse caso, ela começa com uma distribuição de Maxwell-Boltzmann a 573 K em 0 ps e um pico em 0 m/s correspondente as partículas inicialmente paradas na região a 0 K. Após a relaxação em cerca de 50 ps, todo o sistema converge para uma única distribuição de Maxwell-Boltzmann a 171 K.

Evolução da distribuição de Maxwell-Boltzmann para o sólido com 1/3 das partículas começando com uma distribuição a 573 K e os outros 2/3 a 0 K. A distribuição a 573 K foi dividida por 3 pois corresponde a apenas 1/3 dos átomos no tempo inicial.

Note que em todos esses casos o sistema evolui para uma distribuição de maior entropia. Nos casos do gás e do sólido, a separação espacial entre moléculas com baixa e alta energia nos estados iniciais e a quantidade elevada de átomos com uma mesma velocidade correspondem a formas bastantes específicas para distribuir a energia no sistema. Já no caso do líquido todas as moléculas com a mesma velocidade resulta também em uma entropia mais baixa no estado inicial pois corresponde a todas as partículas com exatamente a mesma energia cinética enquanto a distribuição de equilíbrio permite uma distribuição mais aleatória de valores de velocidade e, portanto, um maior número de microestados no sistema.

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Condições de simulação

Todos os cálculos apresentados aqui foram realizados com o Gromacs 20203,4 em dupla precisão e as trajetórias visualizadas e vídeos renderizados com o programa VMD 1.9.3.5 Todas as simulações foram feitas no ensemble NVE (sem acoplamento de pressão ou de temperatura). Raio de corte de 1,2 nm foi utilizado para as interações não ligantes e condições periódicas de contorno foram utilizadas em todas as direções, apesar de que no caso do sólido o tamanho da caixa é muito maior que o volume do mesmo de modo que não haja interação com as réplicas periódicas. Abaixo são listados o número de partículas N, intervalo de integração dt, tempo total da simulação t e as dimensões da caixa de simulação em cada sistema:

SistemaNdt (ps)t (ps)Lx (nm)Ly (nm)Lz (nm)
Gás32000,0010150064,0032,0032,00
Líquido240000,0002510.6310,6310,63
Sólido82320,0005505,005,0025,00

No líquido e no sólido o passo de integração foi reduzido em relação ao gás para melhor caracterização da relaxação das velocidades que ocorre na escala de poucos picossegundos ou menos nesses sistemas. Os parâmetros de interação de Lennard-Jones 6-12 para o argônio e para o ouro foram obtidos das referências números 6 e 7, respectivamente.

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Referências

  1. Atkins, P., de Paula, J. “Físico-química” vol. 1, 8a. ed., editora LTC, 2008.
  2. McQuarrie, D., Simon, J. D. “Physical Chemistry – a molecular approach”, editora University Science Books, 1997.
  3. Hess, B., Kutzner C., van der Spoel, D., Lindahl, E.. GROMACS 4: Algorithms for highly efficient, load-balanced, and scalable molecular simulation J. Chem. Theory Comput. 4 (2008) p. 435-447.
  4. van der Spoel, D., Lindahl, E., Hess, B., Groenhof, G., Mark, A. E., Berendsen, H. J. C.. GROMACS: Fast, Flexible and Free, J. Comp. Chem. 26 (2005) p. 1701-1719.
  5. Humphrey, W., Dalke, A., Schulten, K., VMD – Visual Molecular Dynamics, J. Molec. Graphics 14.1 (1996) p. 33-38.
  6. Verlet, L., J.-J. Weis, Perturbation theory for the thermodynamic properties of simple liquids, Mol.Phys. 24 (1972), p. 1013-1024.
  7. Heinz, H., Vaia, R. A., Farmer, B. L., Naik, R. R., Accurate Simulation of Surfaces and Interfaces of Face-Centered Cubic Metals Using 12−6 and 9−6 Lennard-Jones Potentials, J. Phys. Chem. C 118 (2008), p. 17281–17290.

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